sexta-feira, 2 de março de 2012

Salgueiro: carnaval e subversão


O Carnaval e o futebol foram as duas entidades que menos sofreram com a repressão na época da Ditadura Militar. A razão é simples: foram as duas válvulas de escape para a contestação e o “não” reprimido que o povo tem direito a manifestar. Na moita, porém, o autoritarismo se fez muito presente através da censura, do jogo de influências e das perseguições não-ostensivas. Neste sentido, a escola de samba Acadêmicos do Salgueiro foi, sem dúvida, a mais prejudicada.

Sobre isso, o carnavalesco Fernando Pamplona nos conta, em artigo escrito em 1986: “Depois de muita discussão democrática e votação em assembléia, demos uma de D. Quixote e o Salgueiro resolveu contar, em 67 (antes do AI-5, é lógico), a história das nossas verdadeiras revoluções, baseado no maravilhoso livro A História da Liberdade no Brasil, de Viriato Corrêa. Resultado: mesa cativa para o pessoal do DOPS; coronel perguntando por que não contávamos a liberdade até os nossos dias – Que é isso, coronel? Paramos em Deodoro porque não somos juízes do nosso tempo”.

O resultado: cortaram a luz na quadra do Salgueiro e a escola só pôde continuar seus ensaios porque uma empresa italiana de cinema – cujo diretor, aliás, era um primo estrangeiro do meu pai – emprestou um gerador. Quadra esvaziada, todo mundo negando dinheiro e uma diretoria covarde que sumiu do mapa. Naquele ano, o Salgueiro desfilou pobre, mas mesmo assim conseguiu ficar em terceiro lugar. A escola estava manjada depois de enredos “subversivos” como Palmares (palavrinha proibida pela censura) e Chica da Silva.

Teve outro episódio cômico, três dias antes do desfile de 1970. O enredo era a Praça XI e todos os carros da escola eram extremamente realistas, feito com material natural e de demolição: havia um boteco com chope de verdade, com mesa de boteco, balcão de mármore e, claro, um mictório em meio a um amontoado de engradados de garrafas e barris. Diante do mictório ficava um manequim de terno branco com uma das mãos pregada na parede e a outra no invisível “assunto”.

Pamplona conta que o censor ordenou: "Mijando não pode! Tira". O carnavalesco espertamente respondeu: "Tá mijando não, tá vomitando. É que a outra mão caiu". Foi chamado um carpinteiro, que pregou a mão do "assunto" também no alto (as duas mãos para cima, apoiando-se na parede sobre o sanitário). O censor ficou satisfeito e disse: "Agora sim. Vomitando pode". O vômito está caindo em cima deles até hoje.

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